Passados dois anos de comando da área central de Florianópolis, resta a convicção de que a sensação de segurança perpassa não só pelo controle da macrocriminalidade, mas sobretudo decorre de ações policiais voltadas para a microcriminalidade. Sair às ruas e ser abordado por um flanelinha, não se constitui algo do imaginário, e sim, o que se pode presenciar em várias localidades e cidades do Brasil, incluindo Florianópolis. Neste sentido, dentre os problemas de ordem pública que temos despendido atenção e esforços, estão as ações para coibir a atuação de flanelinhas.
Ressalta-se que o vivenciar de nossas medidas nos permitem desmistificar alguns aspectos que reiteradamente são suscitados nos debates e discussões a cerca do tema. Embora uma parcela da população e, inclusive, de autoridades sustentem equivocadamente que os flanelinhas estão sujeitos a ações sociais e não a medidas policiais, cabe esclarecer que é tranquilamente possível a responsabilização penal dos flanelinhas. Não se pretende aqui desconsiderar que a origem de boa parte dos flanelinhas está relacionada a questões sociais. Agora, é importante frisar que significativa parcela das pessoas que se envolvem com a pratica de infrações penais tem como fatores motivadores as questões sociais. Aliás, indispensável pontuar que, no que diz respeito à preservação da ordem pública, é certo que a consecução de resultados mais eficazes advém do tratamento preventivo das causas, mas isso não significa dizer que se deve relegar o tratamento repressivo das conseqüências.
Como se não bastasse a reflexão de que problemas sociais não se constituem excludentes de ilicitude, cumpre destacar que o ato do flanelinha de constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, exauri a tipicidade do crime de extorsão capitulado no Código Penal (art. 158). Contudo, a necessidade de declaração da vítima impõe um limitador às ações policiais militares. Noutras palavras, em que pese tenha se ofendido com a cobrança indevida de flanelinha e exigido a adoção de providências de policiais militares, de praxe, o solicitante/vítima se exime de prestar declarações indispensáveis para prisão em flagrante do flanelinha.
Uma vez impossibilitada a responsabilização penal pelo crime de extorsão, convém trazer o conhecimento de que o flanelinha ainda está a incidir em outro fato típico que permite a sua responsabilização penal, com cominação de pena bem mais branda, porém não exige manifestação da vítima. Primeiramente, deve-se registrar que flanelinha é profissão. Surpreso? Friso, flanelinha é profissão.
A Lei Federal nº 6.242, de 1975, ainda em vigência, dispõe sobre o exercício da profissão de “guardador e lavador autônomo de veículos automotores”, ou seja, flanelinha. Nesta esteira, recorta-se o art. 47 da Lei de Contravenções Penais que estatui: “Exercer profissão ou atividade econômica ou anunciar que a exerce, sem preencher as condições a que por lei está subordinado o seu exercício”. Ora, o que fez a Lei nº 6.242, regulamentada pelo Decreto 79.797, de 08/06/77, senão impor e delimitar condições para o exercício da profissão de guardador autônomo de veículos, como a de estar registrado na Delegacia Regional do Trabalho. Destarte, nota-se o perfeito enquadramento da ação de flanelinhas no art.47 da LCP, ao exercer profissão em desacordo com regulamentação legal.
A solução do problema seria assim fácil, se no Brasil leis fossem cumpridas. Para se ter uma noção, a pouco tempo atrás, por cerca de sete meses, em determinada região da área central lavrou-se 81 (oitenta e um) Termos Circunstanciados, ditos TC´s, buscando a responsabilização penal de flanelinhas pela contravenção de exercer irregularmente profissão. Entretanto, como havia afirmado anteriormente, no Brasil não basta está claramente previsto na legislação, de modo que sustentando questões sociais, a promotoria arquivou todos os procedimentos.
A pergunta que fica, não seriam as questões sociais as razões para a maioria dos problemas criminais? Se a moda pega, as cadeias irão ficar desertas.
A insegurança também não seria uma problema social? Aliás, flanelinha é problema social? Pasmem os senhores, mas só conhecendo o problema para saber que tem flanelinha locando rua, terceirizando e cobrando taxas de serviço mensal.
Para se possa compreender a repercussão da ação dos flanelinhas na preservação da ordem pública, em recente levantamento realizado no Projeto Beira Mar Norte, o principal fator de insegurança apontado por moradores e porteiros da região é a ação dos flanelinhas.
Não se pode esquecer também, em determinadas situações (embora compreensível), da nossa “mea culpa” enquanto cidadão, quer pagando e alimentamos os atos de flanelinhas, quer não contribuindo com declarações para lavratura da prisão em flagrante.
Assim, esperando que cada qual assuma sua responsabilidade, sociedade, forças policiais e autoridades com o mister de dar prosseguimento à persecução penal, continuamos fazendo a nossa parte.