domingo, 1 de abril de 2012

EMBRIAGUEZ AO VOLANTE: STJ ACERTOU E NADA MUDOU


Nos últimos dias, uma recente decisão do Superior Tribunal de Justiça-STJ ganhou destaque nos canais de comunicação, de maneira que se pode acompanhar muito do que se comentou e debateu sobre a referida decisão, que considerou o teste do bafômetro e o exame de sangue como únicas provas de caracterização do crime de direção alcoolizada.

De pronto, há de se destacar que o STJ apenas ratificou a Lei Seca e não mudou nada acerca do assunto. Friso, pois, que a decisão apenas respeitou o basilar princípio da legalidade e da reserva legal, sedimentando o ledo engano chamado Lei Seca.

Neste sentido, cabe esclarecer que a difundida a Lei Seca, como ficou conhecida a Lei 11.705/08, embora trouxesse em sua origem uma resposta estatal ao clamor social de segurança no trânsito e tivesse por escopo impor um tratamento mais rigoroso e severo aos condutores que dirigissem sob influência alcoólica, tornou a responsabilização praticamente inexequível no âmbito criminal. Isto porque delimitou como elemento do tipo a concentração de álcool no sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas.

Noutras palavras, para que haja a tipicidade da conduta, ou seja, para que ocorra o exaurimento do tipo penal do art. 306 do CTB, torna-se indispensável obter a dosagem alcoólica. Nestes termos, só existe crime de embriaguez ao volante quando a autoridade policial conseguir mensurar a concentração de álcool no sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas. Destarte, ao se considerar o posicionamento majoritário da doutrina e jurisprudência, de que inexiste a obrigatoriedade de se submeter ao teste de bafômetro, basta o condutor embriagado recusar-se a realizar o bafômetro, para que sua conduta seja atípica, sem responsabilização penal.

Justamente nesta esteira que versou a decisão do STJ, de que a prova testemunhal ou outro meio de prova não substitui a necessidade de se ter a quantificação alcoólica. A nosso ver, a decisão foi acertada, ao garantir a segurança jurídica da norma em fiel respeito ao princípio da legalidade e da reserva legal. Pontua-se que pensar diferente desta lógica, significa afrontar o princípio da legalidade, base do Estado Democrático de Direito, em que há a submissão do Estado à lei. De igual modo, no contexto penal, representaria relevante ofensa ao princípio da reserva legal, pois a tipicidade decorre da lei e não há como se falar em crime sem que exista tipicidade.

Entretanto, findada esta primeira parte da abordagem, imprescindível ressaltar diversos equívocos e distorções veiculados na mídia. Para melhor entendimento do assunto, cumpre diferenciar na seara do trânsito a esfera administrativa da esfera penal.

Em contraponto à esfera penal já exposta, em que incluiu a dosagem alcoólica como elemento do tipo penal, na esfera administrativa a Lei n. 11.705/08 suprimiu a quantificação alcoólica do art. 276 do CTB, asseverando que a infração capitulada no art. 165 do CTB se consuma por qualquer concentração de álcool no sangue, cabendo ao poder executivo federal disciplinar margens de tolerância. Tolerância esta, que foi regulada pelo o Decreto Federal n. 6.488/08.

Nota-se que o mencionado decreto regulou como margem de tolerância a concentração de álcool for igual ou inferior a 0.1 mg/l de ar expelido, porém se evidencia que não se trata de elemento do tipo. De maneira que diante da recusa do condutor alcoolizado a se submeter ao teste de bafômetro, as medidas administrativas deverão ser tomadas com base na prova testemunhal ou outro meio de prova legal. Cabe, portanto, utilizando-se da prova testemunhal (o dito, Auto de Constatação de Embriaguez), impor as medidas administrativas de autuação pelo art. 165 do CTB, o recolhimento da habilitação e a retenção do veículo até a apresentação de condutor habilitado. Frisa-se, então, que a este ponto andou bem o legislador.

Nestes termos, observou-se que a recusa do condutor alcoolizado, sujeita-o somente às medidas e penalidades administrativas, sendo que a decisão do STJ em nada modificou o que a Lei Seca havia estabelecido. Por outro lado, caso se submeta ao teste de alcoolemia, o policial militar deverá tomar as providências conforme a concentração de álcool expressa no laudo do bafômetro.

Do exposto, é oportuno tecer também que os problemas advindos da ebriedade do condutor, configuram-se em questões complexas, cuja resolução não se encontra adstrita ao esforço legal, perpassando necessariamente por outros aspectos, dentre os quais a educação. Todavia, no que toca ao esforço legal, não diferentemente de outros tantos problemas sociais, resta evidente que não bastam boas leis.

A solução não se resume as meras abstrações jurídicas, mas a um todo que direta ou indiretamente converge para o exercício do poder de polícia, em específico a certeza da fiscalização e da sanção. Afinal, a norma sem a espada constitui-se em texto morto, como bem ensina Ihering (2000).

Sobre a matéria, ainda, adotando-se por base de política criminal que o Direito Penal é vislumbrado como ultima ratio, infere-se que a Lei Seca na sua parte penal andou mal; isto porque deslocou a categorização do crime de embriaguez ao volante de perigo concreto para perigo abstrato, desconsiderando a ofensividade da conduta e criminalizando situação que poderia ser resolvida na esfera administrativa.

Por finalizar, urge uma reforma do tipo penal previsto no art. 306 do CTB, suprimindo a necessidade de quantificação alcoólica. Neste sentido, assevera-se que a esfera criminal, antes da alteração provocada pela Lei Seca, fornecia uma interessante redação para a tipicidade da embriaguez ao volante, tendo como essência o dano potencial ou a potencial lesividade da conduta. Contudo, enquanto não se alterar a legislação em vigor, resta a convicção de que o STJ acertou e nada mudou.