LEI 13.022/2014: GUARDA
MUNICIPAL E OS LIMITES DE SUAS ATRIBUIÇÕES
Com o
advento da Lei 13.022/2014, muito se tem falado e divulgado que se conferiu
poder de polícia às guardas municipais. Deixo claro, de pronto, que a nova Lei
não delegou qualquer novo poder de polícia às guardas municipais, pois quem
afirma ao contrário é porque não conhece do Direito Administrativo. Para que
possam compreender o assunto, é indispensável recortar ensinamentos do Direito
Administrativo, em específico, diferenciar poder de polícia geral do poder de
polícia especial.
Poder
de polícia não é próprio desta ou daquela instituição, mas sim do Estado. Em
outras palavras, pode-se dizer que se figura num poder amplo e peculiar
disseminado pela administração pública a fim de cumprir o múnus público (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 28 ed. São Paulo: Malheiros
Editores. 2003, p. 129). Neste sentido, recortam-se as lições de Diogo
Figueiredo de Moreira Neto (em. Direito Administrativo da Segurança Pública. In: Direito Administrativo da Ordem Pública. Rio de Janeiro: Forense,
1986. p. 109-146), trata-se da atividade administrativa do Estado que tem por
fim limitar e condicionar o exercício das liberdades e direitos individuais
visando assegurar, em nível capaz de preservar a ordem pública, o atendimento
de valores mínimos de convivência social, notadamente a segurança, a
salubridade, o decoro e a estética.
Ratifica-se,
pois, que o poder de polícia administrativo se dilui por todo o Estado, de
maneira que o exercício de qualquer ato que restrinja, condicione ou limite os
interesses, bens e direitos individuais em prol da coletividade, é poder de
polícia. Em termos práticos, o fiscal de obras, o agente de trânsito (ex.
remove o veículo), o fiscal da Secretaria do Meio Ambiente (ex. limita uma
atividade sonora) e as guardas municipais (ex. condiciona a entrada em
edificação municipal), dentre outros, quando atuam, materializam o poder de
polícia. Frisa-se que tais considerações não constituem algo novo, mas remontam
a origem do Estado. As perguntas que necessitam de respostas, então, seriam:
todos esses órgãos são forças policiais? Esse poder de polícia é o mesmo poder
de polícia das polícias?
É importante pontuar que o poder polícia
administrativo é gênero, o qual se divide em duas espécies, quais sejam: o
poder de polícia administrativo geral e o poder de polícia administrativo
especial.
O
poder de polícia administrativo geral é aquele previsto no §5º do art.144,
CF/1988, e conferido como competência às polícias militares através do poder de
polícia ostensiva. Noutras palavras, o poder de polícia ostensiva abrange a
polícia administrativa geral, que por atos administrativos de ordem, consentimento,
fiscalização e sanção, visa prevenir a quebra da ordem pública.
Sua utilidade é dupla: primeiramente,
realiza a prevenção das infrações pela observação do cumprimento,
pelos administrados, das ordens e dos consentimentos de polícia; em segundo
lugar, prepara a repressão das infrações pela constatação formal dos
atos infringentes”. (MOREIRA NETO,
Diogo F. A Segurança Pública na Constituição. Revista de Informação
Legislativa, n. 109, Brasília, Senado Federal, janeiro/março 1991, ano 28, p.146, grifo do autor.)
Cuida-se
que a polícia ostensiva corporifica-se na atividade preventiva de natureza
administrativa. Os atos de polícia ostensiva não se inserem no âmbito penal,
mas sim, na esfera administrativa, sendo-lhe permito agir sobre pessoas, bens,
serviços e atividades.
Por
outro lado, o poder de polícia administrativo especial se dilui por todos os
segmentos públicos, agindo somente sobre bens, serviços e atividades. Nota-se
que ao não ser legal incidir sobre pessoas, não lhe permitido a realização de
abordagem ou barreiras policiais. Nesta esteira, reporta-se a preciosa
contribuição de Diógenes Gasparini (em Novo Código de Trânsito – os Municípios
e o policiamento. Revista de Informação
Legislativa. Brasília, ano 35, n. 139, p.57-70, jul./set. 1998. p. 60):
A
polícia administrativa geral é voltada aos aspectos da ordem pública, que são:
segurança, tranqüilidade e salubridade, tendo previsão constitucional e legal,
permitindo uma maior flexibilidade à Administração Pública por ser mais
propícia à atuação discricionária, daí ter o formato de instituição, exigindo
preparo e controle adequados de seus quadros, o que vai desde as condições
particulares de ingresso, passando por formação, carreira, deveres e direitos,
que lhes permitem exercer o poder soberano do Estado, inclusive usando da força
para que a lei se sobreponha e a ordem turbada seja, prontamente,
restabelecida.
A
polícia administrativa especial, por sua vez, não tem por objeto a ordem pública
e dilui-se em múltiplos segmentos, conforme os ramos das atividades
particulares que lhe cumpre fiscalizar. Sua previsão legal é muito mais
estreita que a da polícia de ordem pública e seu formato não é o de
instituição.
Assevera-se,
então, que enquanto aquela no desempenho das atribuições encontra-se
direcionada à percepção e efetivação da segurança, tranqüilidade e salubridade;
estes têm por objeto ramos administrativos específicos, com atribuições
adstritas a certos segmentos, sendo inerentes e se difundindo por toda a
Administração, polícia florestal, polícia sanitária, polícia de trânsito,
dentre outros (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito
Administrativo Brasileiro. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2003.). Justamente,
neste contexto que a nova Lei apenas sedimentou o poder de polícia
administrativo especial às guardas municipais.
Uma
vez firmada essa diferenciação, cumpre observar:
DAS
COMPETÉNCIAS
Art. 4o É competência geral das guardas
municipais a proteção de bens, serviços, logradouros públicos municipais e
instalações do Município.
Parágrafo
único. Os bens mencionados no caput abrangem os de uso comum, os de
uso especial e os dominiais.
Art. 5o São competências específicas das
guardas municipais, respeitadas as competências dos órgãos federais e
estaduais:
I - zelar
pelos bens, equipamentos e prédios públicos do Município;
II -
prevenir e inibir, pela presença e vigilância, bem como coibir, infrações
penais ou administrativas e atos infracionais que atentem contra os bens,
serviços e instalações municipais;
III -
atuar, preventiva e permanentemente, no território do Município, para a
proteção sistêmica da população que utiliza os bens, serviços e instalações
municipais;
IV -
colaborar, de forma integrada com os órgãos de segurança pública, em ações
conjuntas que contribuam com a paz social;
V - colaborar
com a pacificação de conflitos que seus integrantes presenciarem, atentando
para o respeito aos direitos fundamentais das pessoas;
VI -
exercer as competências de trânsito que lhes forem conferidas, nas vias e
logradouros municipais, nos termos da Lei no 9.503, de 23 de
setembro de 1997 (Código de Trânsito Brasileiro), ou de
forma concorrente, mediante convênio celebrado com órgão de trânsito estadual
ou municipal;
VII -
proteger o patrimônio ecológico, histórico, cultural, arquitetônico e ambiental
do Município, inclusive adotando medidas educativas e preventivas;
VIII -
cooperar com os demais órgãos de defesa civil em suas atividades;
IX -
interagir com a sociedade civil para discussão de soluções de problemas e
projetos locais voltados à melhoria das condições de segurança das comunidades;
X -
estabelecer parcerias com os órgãos estaduais e da União, ou de Municípios
vizinhos, por meio da celebração de convênios ou consórcios, com vistas ao
desenvolvimento de ações preventivas integradas;
XI -
articular-se com os órgãos municipais de políticas sociais, visando à adoção de
ações interdisciplinares de segurança no Município;
XII -
integrar-se com os demais órgãos de poder de polícia administrativa, visando a
contribuir para a normatização e a fiscalização das posturas e ordenamento
urbano municipal;
XIII -
garantir o atendimento de ocorrências emergenciais, ou prestá-lo direta e
imediatamente quando deparar-se com elas;
XIV -
encaminhar ao delegado de polícia, diante de flagrante delito, o autor da
infração, preservando o local do crime, quando possível e sempre que
necessário;
XV -
contribuir no estudo de impacto na segurança local, conforme plano diretor
municipal, por ocasião da construção de empreendimentos de grande porte;
XVI -
desenvolver ações de prevenção primária à violência, isoladamente ou em
conjunto com os demais órgãos da própria municipalidade, de outros Municípios
ou das esferas estadual e federal;
XVII -
auxiliar na segurança de grandes eventos e na proteção de autoridades e
dignatários; e
XVIII -
atuar mediante ações preventivas na segurança escolar, zelando pelo entorno e
participando de ações educativas com o corpo discente e docente das unidades de
ensino municipal, de forma a colaborar com a implantação da cultura de paz na
comunidade local.
Parágrafo
único. No exercício de suas competências, a guarda municipal poderá
colaborar ou atuar conjuntamente com órgãos de segurança pública da União, dos
Estados e do Distrito Federal ou de congêneres de Municípios vizinhos e, nas
hipóteses previstas nos incisos XIII e XIV deste artigo, diante do
comparecimento de órgão descrito nos incisos do caput do art. 144 da
Constituição Federal, deverá a guarda municipal prestar todo o apoio à continuidade do
atendimento. (Lei 13.022, de 08 de agosto de
2014)
Da
leitura do caput do art. 4 da
mencionada lei (“a proteção de bens, serviços, logradouros públicos municipais
e instalações do Município”) já se sedimenta todo o aporte doutrinário já
exposto, não sendo permitido agir sobre pessoas. A este ponto, de início o art.
1º da Lei 13.022/2014 estatui:
Art. 1o Esta Lei institui normas gerais
para as guardas municipais, disciplinando o § 8o do
art. 144 da Constituição Federal.
Outra,
aliás, não poderia ser a previsão legal, considerando que a Constituição
Federal assim estabelece no §8º do art. 144 (“§ 8º Os Municípios
poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens,
serviços e instalações, conforme dispuser a lei”).
Para
melhor esclarecer, em breves termos se analisará cada uma das atribuições:
I - zelar pelos bens, equipamentos e prédios
públicos do Município;
II - prevenir e inibir, pela presença e
vigilância, bem como coibir, infrações penais ou administrativas e atos
infracionais que atentem contra os bens, serviços e instalações municipais;
III - atuar, preventiva e permanentemente, no
território do Município, para a proteção sistêmica da população que utiliza os
bens, serviços e instalações municipais;
Observação:
Conforme o § 8º do art. 144 da Constituição Federal/1988.
IV - colaborar, de forma integrada com os
órgãos de segurança pública, em ações conjuntas que contribuam com a paz
social;
V - colaborar com a pacificação de conflitos
que seus integrantes presenciarem, atentando para o respeito aos direitos
fundamentais das pessoas;
Observação:
Como qualquer agente de segurança pública, o fim é mediar conflitos e manter a
paz social. Conforme o art. 144 da Constituição Federal/1988.
VI - exercer as competências de trânsito que lhes forem
conferidas, nas vias e logradouros municipais, nos termos da Lei no 9.503, de 23 de setembro de 1997 (Código
de Trânsito Brasileiro), ou de forma
concorrente, mediante convênio celebrado com órgão de trânsito estadual ou
municipal;
Observação:
Conforme Lei n. 9.503/97.
VII - proteger o patrimônio ecológico,
histórico, cultural, arquitetônico e ambiental do Município, inclusive adotando
medidas educativas e preventivas;
Observação:
Já estava previsto dentro dos patrimônios/bens municipais. Conforme o § 8º do
art. 144 da Constituição Federal/1988.
VIII - cooperar com os demais órgãos de
defesa civil em suas atividades;
Observação:
É parte integrante de um sistema, o sistema de segurança pública. Como qualquer
sistema as partes devem ser interligadas e interdependentes, cooperando para o
objetivo do sistema.
IX - interagir com a sociedade civil para
discussão de soluções de problemas e projetos locais voltados à melhoria das
condições de segurança das comunidades;
Observação:
Versa sobre planejamento e gestão, como agente público presta serviço a
comunidade, motivo pelo qual para cumprir sua missão deva estar em relação com
a comunidade.
X - estabelecer parcerias com os órgãos
estaduais e da União, ou de Municípios vizinhos, por meio da celebração de
convênios ou consórcios, com vistas ao desenvolvimento de ações preventivas
integradas;
Observação:
É parte integrante de um sistema, o sistema de segurança pública. Como qualquer
sistema as partes devem ser interligadas e interdependentes, cooperando para o
objetivo do sistema.
XI - articular-se com os órgãos municipais de
políticas sociais, visando à adoção de ações interdisciplinares de segurança no
Município;
XII - integrar-se com os demais órgãos de
poder de polícia administrativa, visando a contribuir para a normatização e a
fiscalização das posturas e ordenamento urbano municipal;
Observação:
Versa sobre planejamento e gestão, como integrante do serviço municipal deva
estar caminhando no mesmo marco conceitual dos demais serviços públicos
municipais. Por exemplo: ações nos serviços de assistências às pessoas em
situação de rua.
XIII - garantir o atendimento de ocorrências
emergenciais, ou prestá-lo direta e imediatamente quando deparar-se com elas;
XIV - encaminhar ao delegado de polícia,
diante de flagrante delito, o autor da infração, preservando o local do crime,
quando possível e sempre que necessário;
Observação:
De acordo com ordenamento já vigente, pode atuar em situações emergenciais.
Essa atuação está condicionada a ausência dos órgãos policiais, conforme o
parágrafo único deste artigo: No exercício de suas competências, a guarda
municipal poderá colaborar ou atuar conjuntamente com órgãos de segurança
pública da União, dos Estados e do Distrito Federal ou de congêneres de
Municípios vizinhos e, nas hipóteses previstas nos incisos XIII e XIV deste
artigo, diante do comparecimento de
órgão descrito nos incisos do caput do art.
144 da Constituição Federal, deverá
a guarda municipal prestar todo o apoio à continuidade do atendimento
XV - contribuir no estudo de impacto na segurança
local, conforme plano diretor municipal, por ocasião da construção de
empreendimentos de grande porte;
Observação:
Versa sobre planejamento e gestão dos serviços municipais, devendo contribuir
como os demais órgãos municipais.
XVI - desenvolver ações de prevenção primária
à violência, isoladamente ou em conjunto com os demais órgãos da própria
municipalidade, de outros Municípios ou das esferas estadual e federal;
XVII - auxiliar na segurança de grandes
eventos e na proteção de autoridades e dignatários; e
Observação:
Versa sobre planejamento e gestão, como integrante do serviço municipal deva
estar caminhando no mesmo marco conceitual dos demais serviços públicos
municipais. Por exemplo: auxiliando na segurança dos sambódromos que pertencem
ao município durante as festividades de carnaval e realizando a segurança do
prefeito.
XVIII - atuar mediante ações preventivas na
segurança escolar, zelando pelo entorno e participando de ações educativas com
o corpo discente e docente das unidades de ensino municipal, de forma a
colaborar com a implantação da cultura de paz na comunidade local.
Observação:
Já estava previsto no § 8º do art. 144 da Constituição Federal/1988, bens e
serviços municipais.
Parágrafo
único. No exercício de suas competências, a guarda municipal poderá
colaborar ou atuar conjuntamente com órgãos de segurança pública da União, dos
Estados e do Distrito Federal ou de congêneres de Municípios vizinhos e, nas
hipóteses previstas nos incisos XIII e XIV deste artigo, diante do comparecimento
de órgão descrito nos incisos do caput do art. 144 da
Constituição Federal, deverá a guarda municipal prestar todo o apoio à continuidade do
atendimento. (Lei 13.022, de 08 de agosto de
2014)
Analisando as competências firmadas pela nova lei,
percebe-se que as atribuições sempre se restringem à esfera municipal e em
nenhuma ocasião, estenderam ou ampliaram a missão das guardas municipais. Não
conferem poder da polícia (poder administrativo geral) às guardas municipais,
nem tampouco constituem as guardas municipais como polícias municipais.
Por
derradeiro, a nova lei apenas regulamentou e formalizou o que já era de
atribuição das guardas municipais, as quais possuem um papel imprescindível no
sistema de segurança pública. Todavia, o limite da sua missão não constitui
como força policial ou como detentora do poder de polícia que permite agir
sobre pessoas.
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