sábado, 3 de setembro de 2011

ECA: Adolescente é apreendido e a culpa é da Polícia.

Sexta-feira, 02/09/11, às 2200h. Capoeiras. Roubo. Pessoa armada toma carro da vítima. Polícia Militar em rondas. Veículo localizado. Perseguição. Assaltante detido, arma apreendida e material da vítima recuperado.

Esta poderia ser mais uma rotineira notícia de polícia, em que a dedicação e a destreza dos policiais militares de Florianópolis permitiram o sucesso da ação. Todavia, quando no momento da ocorrência recebi o telefonema informando que se tratava de um adolescente com as iniciais M.M.O., a frustração dos policiais que o apreenderam propagou-se como bomba pela linha telefônica, atingindo-me em cheio.
Ora, tratava-se do mesmo adolescente de 17 anos que apreendemos em outras duas oportunidades em menos de três meses. Na primeira oportunidade, que participei, o adolescente foi apreendido na cabeceira da Ponte Pedro Ivo Campos, após efetuar roubo numa lotérica no Centro da capital. Semanas mais tarde, foi detido novamente no Rio Tavares depois de assaltar, no momento do pagamento, funcionários de uma obra no canto da lagoa. Agora, ratifico, pela terceira vez em menos de três meses, o adolescente é apreendido. Ademais, cabe ressaltar que em todas as oportunidades, inclusive em outros roubos que restou comprovada a participação deste adolescente, sempre está armado e adota uma postura violenta para com as vítimas.
Nesta esteira, percebo como indispensável trazer à reflexão tais fatos, uma vez que estamos diante de mais um roubo praticado por adolescente. Como de praxe e no seu direito, a sociedade cobra segurança do Estado e, normalmente, com sustentação da imprensa, remete num olhar simplista a responsabilidade da segurança pública às polícias. Não pretendo aqui absolver dos comentários os órgãos policiais, e sim firmar minha convicção de que a maioria dos problemas de segurança pública não são problemas de polícia, mas problemas sociais. Deve-se abandonar a visão limitada de que a insegurança será resolvida somente com medidas policiais, sobretudo, as repressivas. Se assim fosse, o aumento de 108% das prisões em três anos (2006 - 3.628; 2009 - 7.566) teria modificado a segurança pública catarinense.
Neste sentido, utilizo a ocorrência mencionada para ressaltar dois pontos que acredito serem imprescindíveis para a redução da criminalidade, quais sejam, o tratamento conferido ao adolescente e a reincidência. Não de hoje, por conviver no meio jurídico, assisto pessoas festejarem a evolução que a vigência do Estatuto da Criança e Adolescente - ECA permitiu. Festejar, o quê? Um discurso!?...
No nosso entender, trata-se de um discurso falacioso, pois o ECA nunca foi operacionalizado e implementado. Esquece-se que o estatuto impôs uma série de medidas, a que os adolescentes deveriam ser submetidos. Contudo, passados 21 anos de ECA, pouco se fez. Hoje, o adolescente é apreendido cometendo um roubo e acaba por ser liberado minutos depois. Aspecto esse que gera uma sensação de impunidade, fazendo crescer o envolvimento de adolescentes e a reincidência destes na pratica de atos infracionais. Algo que, nos dias atuais, se tornou rotineiro. Aliás, a preocupação com a proteção do adolescente não deveria considerar essa lógica que está evidente a todos? Romper essa lógica, não?
Há de se pensar neste ciclo vicioso, pois não basta uma resposta efetiva das polícias. A segurança pública somente se efetivará, quando pensarmos para além das polícias, o que perpassa por transmitir ao infrator a certeza da “punição” (responsabilização). Somando a isto, uma rápida imposição de eficaz e eficiente medida sócio-educativa.
Dito isto, para que a sociedade não continue a ser vítima, resta evidente a mudança desse contexto social. Afinal, o adolescente apreendido está impune e a culpa é da polícia.


 

2 comentários:

  1. Concordo Tenente! A visão tradicional, de doutrina de polícia centrada na repressão e no controle penal da criminalidade, contrapõe-se aos novos argumentos enunciados pelo atual Estado democrático.
    As políticas de segurança pública, para obterem êxito, necessitam satisfazer um mínimo existencial no que se refere aos direitos sociais. Em face disso, é imprescindível o intercâmbio de informações com os órgãos responsáveis pela educação, saúde, trabalho e outras áreas sociais.
    A efetivação desse mínimo, no que se refere aos direitos sociais, elevaria o grau de segurança a patamares suportáveis ao convívio social e, a partir daí, poder-se-ia trabalhar segurança pública com as comunidades de forma mais viável e efetiva, pois suas necessidades elementares já estariam atendidas.
    Aliado a isso, a efetividade das medidas sócio-educativas e a certeza da punição irão reverter esse quadro.... Enquanto a sociedade não desperta para esse tipo de situação, "a culpa continua sendo da polícia".

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  2. Infelizmente esse episódio irá se repetir por diversas vezes...O mais grave é a reação de conformismo que é dominante na nossa sociedade...ninguém faz críticas profundas sobre esses assuntos, os gestores públicos preferem colocar a culpa nos seus antecessores e tomarem medidas paleativas que em nada resolverão esse problema crônico da segurança pública. Temos que colocar o dedo na ferida...Responsabilizar unicamente a polícia, ou qualquer outro órgão que faz parte do sistema é covardia ou incapacidade de analisar o problema de forma racional. Esse caso concreto, apresentado pelo Tenente Vieira, irá findar, infelizmente, com o atestado de óbito do adolescente, por pura incompetência e inércia do Estado que não consegue implementar os mais comezinhos princípios Constitucionais e o paradigma proposto no ECA.

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